quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O rosto dos poemas

Poemas, sempre de alguém
Um amigo, um desejo, uma amante
Rostos dos dias, amados a partir do Natal
E nesse olhar singular pela vida, ser amado e ter amigos
Ainda que com muito trabalho venha a dar o dom poético.
Poeta das formas estilhaçadas,
Um navegante que volta, rodando sempre na forma do poema
Para que viva num rosto vibrante, a dádiva sem vate
Que entre seres iguais se dá e recebe, uns nos outros.
Sem Deus ou pátria, a mediocridade de alguns
Sem certezas ou musas, sem as peias do sublime
Aos poemas basta a beleza, a terrena banalidade
Aqui e agora, a luta que se bate pela vida
Fazendo que seja clara a luz, na obscuridade
Fazendo que se vença na expressão, o medo do dizer
Fazendo que seja um rosto, que se vive na essência do poema.

(Miguel Almeida)

A chama Imensa, a Imensa Força

Olá amantes da poesia, deixo-vos um poema meu, dedicado ao Grande CAMÕES, que é extraído do meu livro O Templo da Glória Literária, que está a ser um sucesso pelas livrarias do país.

LUÍZ VAZ DE CAMÕES (1524 – 1580)

Luís ou Lusitanos?
Os Lusíadas,
Só tu saberias responder.
Pois é, talvez tu não saibas, Luís
Que hoje é reclamado, por muitos
O teu busto ou corpo inteiro,
Em homenagens,
Sinal dos cumes altos a que elevaste,
Numa grandeza sem par, a tua pátria;
Pois é, talvez tu não saibas, Luís
Que hoje tens, invejável
Um túmulo,
Onde descansam os mortos, com vida imortal
E tu és, desse povo que tanto cantaste
A chama imensa, a imensa força
Hoje já muito ardida;
Pois é, talvez tu não saibas, Luís
Que hoje, nas suas escolas
Meninos e meninas, já com muitos anos de letras
E até doutores e doutoras, do alto das suas cátedras
Estudam as dores da tua pena, todas de fio a pavio
E que num mundo sem fronteiras, a tua língua
Guiados por ti, por dons de uma alma sem par
Ancoramos, venerados por todos
Na força excelsa, que criaste para nós;
Pois é, talvez tu não saibas, Luís
Mas conto-te, por que sei que irias gostar
Que hoje rivalizas com a grandeza dos grandes,
Homero e Virgílio, teus pares
Nos píncaros da arte eleita, que deles procuraste imitar.

(Miguel Almeida)

sábado, 6 de novembro de 2010

O nome do Poeta

“Coube-me sofrer e lutar, amar e cantar; couberam-me, na partilha do mundo, o triunfo e a derrota, provei o gosto do pão e o do sangue. Que mais quer um poeta?”
 Neruda, Pablo, Confesso que vivi.

Oculta na escolha de um nome, a escolha de ser poeta
Um ser outro, que nos outros se aprecia
E que até se elogia, por vezes
Mas que não queremos que seja a escolha dos nossos.
Mas olhai! Olhai bem! Pensai um pouco!
«Que mais quer um poeta?»,
se perdido no anonimato de um nome
Entra no labirinto das palavras, e vencendo por elas
Se acolhe num povo,
que em breve se fará do tamanho do mundo!
«Que mais quer um poeta?»,
se na mina de carvão de Lota
Sob o pleno do sol abrasada, na cova escavada da falésia
Encontra um homem, que no rosto traja o trabalho terrível
E pelo fundo escuro dos olhos, com um brilho faiscante
Aquele lhe diz, Irmão, já te conhecia há muito tempo!
«Que mais quer um poeta?»,
se pelas mãos enegrecidas
Entre calos e rugas, achando entre si as suas
Esse homem lhe diz, Irmão, já te conhecia há muito tempo!

 (Miguel Almeida)


Gostos

Gosto da sombra dos dias,
Que avança, sem surpresas
Pelas coisas, que acontecem
Sem a demência da ciência,
Apenas pelo seu acontecer.

Gosto da harmonia cósmica,
Que aparece, dissonante
Onde o meu ser, sem razões
Se espanta e encanta,
Apenas por as ver aparecer.

Gosto dos encontros,
Que se dão, desencontrados
Onde vou, ao acaso
Nas voltas que dou,
Apenas a andar por andar.

Gosto de sentir, ao partir
Que avanço, inseguro
Onde o meu olhar alcança,
Horizontes e esperanças,
Apenas por gostar de sonhar.

(Miguel Almeida)


RAFAEL GABRIEL JUAN MÚGICA CELAYA LACETA

Maldigo la poesía concebida como un lujo
Cultural por los neutrales
Que, lavándose las manos, se desentienden y evaden.
Maldigo la poesía de quien no toma partido, partido
Hasta mancharse.”
Celaya, Gabriel, La Poesía es Una Arma Cargada de Futuro.

POESIA DE INTERVENÇÃO


Como o amor, num poema que é só de amor
O poeta revolta-se, fazendo-se na revolta
E clama justiça, habitando no que é justo.
Como um luxo cultural, numa cultura sem arte
A poesia amaldiçoa-se, fazendo-se maldita
E navega à toa, nas circunstâncias do tempo.
“Como um luxo cultural para os neutrais,
Como poesia de quem não toma partido,
Partido até manchar-se”,
Troa na voz sentida de Celaya,
A palavra é vazia, sem tonalidade ou coloração
A cultura é um luxo, sem a força sentida da posição
A felicidade é tristeza, se é sempre a vida da acomodação
Mas tudo é em vão, se por cobardia se cala a voz do coração.

In, O Templo da Gória Literária, p. 139.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Adolescer

Se o meu nome é ARTE,
O meu país é LÍNGUA,
A minha vida é PALAVRA,
Em amparos e disparos,
Em assombros,
Por cada frase, feita a doer
Num tempo próprio, que é o meu
A minha vida há-de ser, ATÉ MORRER
A minha INFÂNCIA, amadurecendo em mim
A minha dor, até que viva só de ADOLESCER.

(Miguel Almeida)

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Momentos

Há momentos, repetidos momentos
Em que as ideias se cruzam, vadias
À velocidade da luz,
Em voos, que fogem
E eu não consigo parar,
Apenas parar, para pensar.
Há momentos, fulminantes momentos
Em que tudo me faz disparar,
Tal qual um sorriso, na beleza do teu riso
Uma frase, no eco das tuas palavras
Um olhar, na transparência que vejo
Ao fixar, o simples encanto do teu olhar.
Há momentos, luminosos momentos
Em que eu só vejo estrelas, nos teus olhos
Muitas estrelas, a brilhar
Mais do que seria conveniente,
Para quem sofre, só de as ver
Como eu, que as tenho que suportar.
Há momentos, apenas momentos
Em que o tempo me leva
E eu sou vidro,
Um vidro tão liso, a olhar
Onde as coisas se espelham, sem tempo
E servem de mim, apenas por fixar nelas o olhar. 
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(Miguel Almeida)

Pausa

"Eu sou a pausa entre duas notas..."
Rilke, Rainer Maria

Na correria da vida apressada,
Um silêncio, para fazer parar o ruído
Uma paragem, para fisgar de longe o alvo
Uma pausa, para poder pensar a vida
Uma pausa, para saborear mais
E fruir somente,
Aquilo que existe,
Aquilo que existe e é real,
Profundo, verdadeiro, autêntico
Para ganhar distância,
Sem recuar,
Sair de cena, fazer vazio
E só então prosseguir,
Por entre a memória do passado
E a miragem do futuro,
Procurar sentido
E deixar-me ir,
Apenas ir,
Pensar para agir,
Partir,
Viajar para sentir,
Fugir,
Mas sempre para depois poder regressar.

(Miguel Almeida)